No Éloge de la Byciclette (Payot, 2008), o etnólogo Marc Augé afirmou que «o biciclismo é um humanismo». Mais do que óbvia a analogia, em forma de gracejo, com o título da famosa conferência de Sartre (O Existencialismo é um Humanismo, de 1945, saída em livro no ano seguinte) na qual, em debate com o marxismo – para quem o humanismo «esquecia o homem concreto» –, o filósofo de Paris lançou as bases para uma certa popularização do «existencialismo francês». O humanismo do qual ali se falava nada tinha, porém, a ver com a noção, nascida no século XVI e difundida depois pelos iluministas, mas para ele ultrapassada, do valor do indivíduo como «fim em si mesmo» e como «valor superior». Sartre falava antes do homem como um ser «para o qual os valores existem» e do humanismo como uma atitude que, por esse preciso motivo, lhe conferia uma dignidade particular.
A comparação de Augé une-se a esta noção do combate humano por uma dignidade que lhe é própria. Fá-lo ao sentar o indivíduo sobre o selim da sua bicicleta pessoal, inventando percursos apenas de acordo com a sua própria vontade, ao ritmo apenas do tempo, da energia e dos seus caprichos. Descobrindo um mundo «à sua medida» ao mesmo tempo que pedala, para onde muito bem lhe apetece, parando e retomando depois o movimento numa qualquer direcção e a diferentes intensidades. Sem os constrangimentos do trajecto a pé mas também sem as limitações, determinadas pela rede de estradas e pelas regras do trânsito, que hoje experimenta esse escravo que é o viajante motorizado. Totalmente entregue apenas à escolha de quem pedala e orienta o guiador: «passando na rua, um domingo, às seis horas da manhã», como no poema de Jacques Réda.
A bicicleta é então apresentada como indício de futuro, ecológico e limpo, utilizado, a par dos transportes colectivos não poluentes, como meio para as pessoas poderem circular livremente pelas cidades do futuro. Fazendo redescobrir um «princípio da realidade» assente numa ligação particular entre o espaço e o tempo, liberto desse mundo invadido pela ficção e pelas imagens que passam no qual hoje vivemos de maneira bastante passiva. Confinados à imobilidade imposta pelas cadências do tráfego automóvel ou então forçados a circular exclusivamente pelas vias impostas pela organização social do trabalho e dos espaços. Um belo projecto, sem dúvida. Muito útil e até – apesar da configuração utópica, ou talvez por causa dela – tendencialmente realista. Principalmente por estes dias em que somos forçados a contabilizar as despesas até ao último cêntimo. E em que precisamos reinventar trajectórias, físicas também, para a liberdade individual.
Deverá estar ligado para publicar um comentário.