Recordando Tony Judt

Tony Judt

Afectado desde 2008 pelo mal de Gehrig, uma doença neurodegenerativa incurável que enfrentou com grande coragem, Tony Judt morreu hoje aos 62 anos. Foi um dos grandes historiadores da contemporaneidade. É, e permanecerá, um dos meus favoritos, cuja leitura tenho recomendado repetidamente em aulas e intervenções como ferramenta de conhecimento e exemplo do modo como a interpretação do passado nos pode ajudar a armar a cidadania. Se tivesse de o associar forçosamente a um campo do saber, classificá-lo-ia como historiador das ideias e dos intelectuais, habitante desse território da História, hoje relativamente pouco povoado mas essencial, que estuda de forma sistemática a expressão, a preservação e a mudança dos modos de representar o mundo no domínio do pensamento individual e das convicções partilhadas.

Em Portugal foram traduzidos dois livros de Judt, ambos por iniciativa das Edições 70: Pós-Guerra. História da Europa desde 1945 (Postwar. A History of Europe Since 1945, de 2005) e O Século XX Esquecido. Lugares e Memórias (Reappraisals. Reflections on the Forgotten Twentieth Century, de 2008). Se o primeiro é um relato exaustivo e monumental das transformações operadas no Velho Continente, e na sua relação com o resto do mundo, desde o final da Segunda Guerra Mundial até à actualidade, o segundo integra uma colectânea de escritos – inicialmente editados em publicações como a New York Review of Books – que projecta um esforço pessoal de regresso a formas de pensamento e de activismo social que têm sido esquecidas, desarmando o presente para um debate público substantivo e empurrando para o esquecimento temas tão centrais no trajecto humano como os desafios do mal, as sequelas da Guerra Fria ou a memória do marxismo. Estão por traduzir – e aqui fica a sugestão – outros três livros essenciais para compreender a intervenção do historiador inglês: Past Imperfect: French Intellectuals, 1944-1956 (1992), The Burden of Responsability. Blum, Camus, Aron and the French Twentieth Century (1998), e Ill Fares the Land, de 2010, este, já na impossibilidade de escrever, ditado por Judt, e que funciona como uma espécie de testamento político. Construído, como sempre, sob a perspectiva de quem observa o mundo como um continuum em perpétuo movimento, no qual passado, presente e futuro participam de um mesmo corpo.

Em O Século XX Esquecido, Judt escreveu: «o que o passado pode realmente ajudar-nos a compreender é a complexidade das perguntas». Uma sugestão que nos ajudará a retirar a História dessa teia de pseudo-certezas que apenas tem contribuído para lhe diminuir o interesse público, transformando-a tantas vezes nesse território rançoso no qual repousa um passado que serve apenas para contemplar ou para comemorar. História viva, como Judt nos ajudou a perceber, é obrigatoriamente, e sempre, questionamento a partir do presente. Num movimento de vaivém que é, justamente, aquele que a devolve à vida.